Otávio
Campos é um poeta e editor
nascido em 1991. É formado em Letras pela Universidade Federal de Juiz de Fora
e atualmente conclui o mestrado em Estudos Literários pela mesma instituição.
Edita a Um Conto – Revista de Literatura, é coordenador editorial das Edições Macondo e participa da
organização do sarau Eco Performances Poéticas.
Publicou os livros Distância (Juiz de Fora: Aquela Editora,
2013) e Amanhã tomo um voo a Budapeste (Juiz de Fora: Edições Macondo, 2014).
No cinema,
colaborou no roteiro e na direção dos filmes Marx Pode Sair e O bicho que come
dentro da gente. Esse diálogo entre imagem e palavra, e a descrença em ambas, é
um ponto de interesse em seus trabalhos.
Sobre seus poemas, disse a poeta Júlia de
Carvalho Hansen: “Será que estamos num filme? Os versos aparecem como frames,
os versos são um pedaço de canção que se encravou na gente”.
Os poemas a seguir
foram anteriormente publicados no Caderno 3, livro do blog português Enfermaria
6, no jornal Tribuna de Minas e no
site LiteraturaBr, e fazem
parte do livro Os peixes são tristes nas fotografias, a ser lançando no Brasil
no segundo semestre de 2016, pela Editora Bartlebee, e em Portugal em 2017, pela Douda
Correria.
East Hampton
Por
isso o velho deixou a cortina um antebraço
aberta
na esquerda – na direita do lado de lá
nem
um pedaço a rua entra; provavelmente você
vai
estar remoendo as provas inventando culpas
atirando dardos
você
deveria amarrar mais forte; provavelmente
eu
penso: você deveria segurar com força você
se
lembra da primeira vez que brincamos
com
os corpos que ocupavam a calçada você
se
lembra da primeira vez que medimos a temperatura
de
uma superfície pouco antes de explodir
inventamos
idades, contamos os dedos, teme de
repente
fechar os olhos e não serem mais cinco
nós
que crescemos sem olhar o fora
nós
que sabemos da queda
do salto
do susto
você
se
lembra quando era 1992 e os ruídos desconhecidos
e
as descobertas dos astrólogos e os carros então
quando
inventamos os nomes das coisas
quando
esquecemos os nomes das coisas
e
se você deixasse de respirar
e
se você gritasse você
se
lembra quando prendíamos a respiração até tudo
de
repente ficar azul e roxo e bege e depois
se
lembra das cores dos carros e das luzes você
se
lembra do gosto que ficava quando elas apagavam
mas
isto não é um postal se lembra
quando
recebemos a notícia do primeiro incêndio
quando
nos mudamos cada um para a cidade da mesma
letra
com latitudes invertidas e o acidente: você
conhece
todo mundo que mora na frente da sua casa
você
frequenta os vizinhos que ficam voltando você
se
lembra da primeira vez que voltou
oespanto
SHE
sat at the window watching the evening
invadindo
a avenida: e se você gritasse
sisibilos,
malabares, upa-gluba, costeleta
se
você fosse duro
se
você fosse outro
se
você fosse um carro
você
escolhe uma cor
você
me chama pelo nome
você
inventa meu nome, parecido com o som de uma andorinha,
um
marujo, as bandeiras no mastro o tamanho do mar
você
acredita em incêndios
você
ainda escuta acidente
você
deve estar morto numa banheira em East Hampton
às
quatro
da tarde de uma quarta-feira quando seu número por-
pura
coincidência me discar
vamos
viver uma coisa mais tranquila
então
as cartas,
o
salto,
o
susto,
você
#
Fenda
visitamos
cidades destruídas
asilos
abandonados nos quintais
teu
rosto uma fenda – por enquanto
desistimos
de ser tristes
você
acredita não existe outra palavra
mais
bonita que triste
enquanto
isto é uma fotografia,
um
postal de Budapeste e suas
cinco
mil luzes azuis – será
que
ele te encontra hoje em casa:
uma
cidade que te povoa na infância
algures
teu nome nalguma porta
quem
te disse um dia para sair com as chaves
e
as coisas que despencam – por enquanto
isto
é uma queda
isto
é uma seta
quando
eu falo em seta você pensa
em
seta ou em flecha
você
pensa em uma seta como uma
flecha
você
pensa em uma flecha como um
desastre
estar
de pé tem sido uma aventura,
uma
escavação ou uma tragédia
arrancar
aos peixes nem tanto,
na
data o postal um ano escondido
teu
nome alhures: você ouve barulhos
das
pedras que descem murmúrios
mas
isto é um acidente
uma
flecha que atravessa o poema
escuta
como ele pulsa devagar
discutimos
sobre precipícios
os
fados que me ensinaram
de
não tornar ao chão – por enquanto
isto
é um aviso,
a
porta que ainda não caiu
a
última casa que resiste irônica
os
azulejos que invertem
a
ordem do mito.
#
O nome do pai
ao Capilé
Estamos
construindo um romance
familiar
por
isso entenda nunca
visite
São Paulo
ou
São Pedro da Aldeia
As
cidades são feitas por homens
para
que homens como você
&
eu não
tenhamos
tempo para as descobertas
pequenas
Meu
filho nunca
atravessea
cerca da divisa
da
fazenda
onde
nos últimos meses
Joaquim
trabalhou à máquina o chão
&
o desejo
Porque
existe um ponto
no
centro do despenhadeiro
para
onde todas as preces convergem
E
os que andam à procura de Deus
e
os que andam pelos caminhos de Deus
sabem
que a luz ainda é a única
medida
da alegria
Pela
abertura das estradas
passamos
afastados
como
o galope do cavalo
que
leva em flecha
o
nome do último santo
escrito
no peito
#
How soon is now?
do Arthur
(de
verdade)
imagina
um
recorte de revista
de
mim deitado numa cama uma foto do mundo
no
fundo bem grande um pôster e uma sessão
de
fotografias
existe
um nome técnico para vídeos
feitos
de fotografias mas agora
não
me lembro
eu
no Brasil:
Rio
de Janeiro
eu
recorte
e
aí uns recortes de sons
The
Smiths
e
eu vou subindo
primeiro
a parte direita sobe
na
primeira foto meus pés
porque
eu estou deitado aí
minha
cabeça isso em fotos
sucessivas
muito
rápidas
não
tão rápidas
que
não dê para perceber que são fotos
individuais
aí
vou subindo assim e em menos
de
três segundos eu estou fora
do
mundo o vídeo dura uns cinco
segundos
é o suficiente
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