terça-feira, 28 de junho de 2016

Guilherme Mandaro

Guilherme Mandaro foi poeta e um dos membros do grupo Nuvem Cigana.
Autor de apenas dois livros, Hotel de Deus (1976) e Trem da noite, é ainda pouco conhecido e reconhecido, apesar do papel fundamental que exerceu no surgimento da geração mimeógrafo, tendo incentivado Chacal e Charles Peixoto a fazer os seus primeiros livros com a técnica usada para a produção dos panfletos clandestinos de resistência à ditadura.
Prova de seu quase total anonimato é a falta de referências sobre a sua vida e de fotos suas pela internet – não foi possível localizar, por exemplo, o local e a data de seu nascimento.
Mandaro foi outro grande poeta daquela geração que se arremessou para a morte. Ele faleceu em 1979 ao pular da janela de seu prédio, cerca de quatro anos antes e apenas a um quarteirão de distância de onde Ana Cristina César tomaria a mesma atitude. Na mesma rua Toneleros. Na mesma Copacabana.
Os poemas a seguir foram selecionados pelo também poeta Sergio Cohn e publicados anteriormente em seu perfil no facebook.





novamente é verão abaixo do equador
novamente veremos debaixo do sol
as variedades dos filmes antigos
saberemos o nome dos ventos
sorrisos muito brancos
dores coloridas
amores impossíveis
segundo os almanaques
olhem-se feijão milho abóbora e manga
não se cortam madeiras
nem se deitam galinhas ou outras aves
as ruas avenidas e ônibus
tornam-se insuportáveis
como já sabiam os índios daqui
que não faziam cidades


#


tô saturado de todos códigos
de linguagem
de linhagem
tô com a língua seca
pra lá da cerca
enquanto o futuro do trabalho 
continua sendo o salário micha
arrocho
sufoco
insegurança nacional

o fim da miséria
não é o fim da miséria

na calçada um lenço vermelho nega o cimento


#


não há trem noturno que não chegue atrasado
e noves fora meu coração ainda é o mesmo
não há brinquedo
não há segredo
não há pecado
que não seja para ti
as alfaces ainda estão na geladeira
e na minha gaveta tenho dois passaportes
que não passariam em nenhuma alfândega
entre a ilegalidade e uma salada
me resta a esperança da tua chegada


#


fica abolida a morte
como preocupação futura
terão os versos com a vida
o compromisso cotidiano das imagens

nos recintos
ame-se e nada mais
os espaços ocupem-se com os corpos
e principalmente os corações 
senhores dos espaços plenos

ainda que falte pouco 
para que as rações acabem 
ou o tempo mesmo de fazer as coisas
que continuem rações perpétuas
na medida do homem


e não deixar letra por letra
no final do poema

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