quinta-feira, 16 de junho de 2016

Alberto Pucheu

Alberto Pucheu é um poeta, ensaísta e professor de Teoria Literária da UFRJ nascido no Rio de Janeiro em 1966.
Seu livro de poemas A fronteira desguarnecida (Rio de Janeiro: Editora 7Letras, 1997) foi vencedor do Programa de Bolsas para Escritores Brasileiros, da Fundação Biblioteca Nacional, enquanto o de ensaios Pelo colorido, para além do cinzento: a literatura e seus entornos interventivos (Rio de Janeiro: Azougue Editorial, 2007) recebeu o Prêmio Mário de Andrade de Ensaio Literário, também da Fundação Biblioteca Nacional.
Seja como poeta ou ensaísta, o fato é que muitos de seus livros vêm recebendo resenhas nos jornais de maior circulação do país, em sites específicos e em periódicos acadêmicos, e Pucheu tem alcançado cada vez maior visibilidade e inserção.
Importante figura no cenário cultural e na cena poética da cidade do Rio de Janeiro desde a década de 1990 até os dias de hoje, sua escrita poética busca sempre uma flexibilização da palavra enquanto gesto e a dissolução de éticas consolidadas visando novas conclusões e construções, além de uma aproximação entre a prosa e a poesia, levando esta às últimas instâncias de suas características. Outro importante fator de sua escrita é a recorrência de temas ligados a natureza ou com caráter filosófico capaz de escapar do conformismo comunicativo da estabilidade poética.
Em 2011, sob a curadoria de Beatriz Rezende, no evento internacional ArteFórum, ele expôs 20 de suas fotografias tiradas de frases grafitadas em ruas de diferentes cidades do mundo, sob o título de Paisagens urbanas quase sem paisagens”. Em julho daquele mesmo ano realizou a instalação Palavras”, no Oi Futuro de Ipanema, no projeto Poesia Visual, sob a curadoria de Alberto Saraiva (essa série de exposições e instalações contou também com mostras de Ferreira Gullar, Antonio Cícero, Wladimir Dias Pino, Tadeu Jungle, Helena Trindade, Roberto Corrêa dos Santos e Lúcio Agra).
Como ensaísta, seus últimos livros foram apoesia contemporânea, de 2014, e Kafka poeta, de 2015, ambos pela Azougue Editorial.
Como poeta, destacamos mais cotidiano que o cotidiano, 2013, A fronteira desguarnecida: poesia reunida 1993-2007 (os dois igualmente pela Azougue) e Designação provisória, em parceira com Victor Heringer, pela Luna Parque Edições, em 2015.
Para saber mais sobre o autor, visite a sua página pessoal.

Abaixo, dois poemas inéditos de Alberto Pucheu.






Socavão – uma lição de nomear

guimarães rosa o escreve de alguns modos:
ele fala de uma velha fazenda,
cuja casa tinha um cômodo
quase do tamanho dela,
por debaixo dela,
socavado no antro do chão
onde judiavam com pessoas,
com escravos, até aos poucos
matar, ele fala, por exemplo,
que havia uma cava grande,
onde o inimigo estava emboscado
dos dois lados, nos socavões,
nas paredes, ele fala, por exemplo,
que os das socavas entornaram
sangue-frio enquanto os demais
se assustaram, correndo em fuga maior
debaixo dos tiros, ele fala,
por exemplo, que alguém estava
socavando com ferramenta
a fito de abrir torneiras na parede
por onde buraco de se atirar
durante aquela guerra sem fim,
ele fala, ainda, que eles não saíam
dos solapos, dando cria
feito bichos em socavas,
mas, por experiência do lugar,
acrescento o que já falei,
que no socavão tem oco, cavo,
vão, e explico: aqueles vazios
pelas montanhas, abertos,
por gestão natural, por debaixo da terra,
quando chove, vindo, a chuva
adentra os poros dos morros,
soca o corpo da terra, mistura-se
a ele atravessando-o até encontrar
seus ocos, seus cavos, seus vãos,
até encontrar o socavão, então,
a água ali se armazena e, seguindo
o feitio inclinado da montanha,
desce por ela, procurando uma brecha,
procurando, pequena que seja, uma saída,
pela qual forma a nascente, a fonte,
corrigindo um tópos conhecido
da história da poesia e da filosofia
que diz que a fonte é metáfora de origem,
esta topografia, entretanto, ensina
que a fonte ou a nascente
não é a origem, que o socavão
é a fonte da fonte, a nascente
da nascente... mas como não pensar
que a água guardada em movimento
pelo socavão, a água que possibilita
a nascente ou a fonte, não foi brotada ali
do nada, por geração espontânea,
que a água guardada em movimento
pelo socavão vem da chuva,
e que tudo está mesmo aberto pelo meio?



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Vale do Socavão

Quando eu cheguei aqui,
já estavam as pedras, os animais
e as árvores, já estavam
o rio, o céu e as estrelas,
quando eu cheguei aqui,
já estavam a terra e o capim,
o sol e as chuvas e os raios
e os trovões já estavam aqui.
Quando eu cheguei aqui, eu cheguei
depois, como todas as pessoas
que aqui chegaram
chegaram depois, e eu cheguei
ainda depois de algumas pessoas
que também já estavam aqui
antes que eu tenha chegado.
Eu cheguei depois. Eu sempre chego
depois que qualquer outro
tenha chegado, e, como eu chego
sempre depois
de qualquer outro,
são com esses e outros quaisquer
outros que chegaram
antes de mim que eu chego
ainda agora, que eu continuo
e continuarei chegando
depois, depois, desde sempre
e inclusive agora, eu chego
depois. Mesmo daqueles
que supostamente chegaram depois
de mim, eu cheguei e sigo
chegando depois. Eu chego depois.


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