terça-feira, 28 de junho de 2016

Ana Cristina Cesar, Ana C.

Ana Cristina Cesar, ou Ana Cristina C, ou ainda Ana C., foi uma poeta, jornalista, tradutora e crítica literária nascida no Rio de Janeiro, em 1952, e morta em 1983.
Formou-se em Letras pela PUC–Rio, mestre em Comunicação pela UFRJ e em Teoria e Prática de Tradução Literária pela Universidade de Essex, na Inglaterra.
Participou da antologia 26 poetas hoje, lançada em 1976 e organizada por Heloísa Buarque de Hollanda, e foi colaboradora do jornal Opinião. Como poeta publicou os livros
Cenas de abril (1979), Correspondência completa (1979), Luvas de pelica (1980), A Teus Pés (1982) e Inéditos e Dispersos (1985), publicado postumamente, assim como Novas Seletas (organizado por seu amigo e também poeta Armando Freitas Filho). Como crítica publicou Literatura não é documento (1980) e Crítica e Tradução (1999).
Em 2013 a editora paulista Companhia das Letras lançou a obra Poética, uma antologia com toda a sua poesia; este ano, a mesma editora publica o volume Crítica e Tradução, com os textos críticos que Ana Cristina Cesar escreveu ao longo das décadas de 1970 e 1980, além de uma nova edição do livro A teus pés.
Diz-se que mesmo antes de ser alfabetizada já ditava poemas para que sua mãe os escrevesse.
Em 1969, Ana C. viajou à Inglaterra em intercâmbio e passou um período em Londres, onde travou contato com a literatura em língua inglesa. Quando regressou ao Brasil, com livros de Emily Dickinson, Sylvia Plath e Katherine Mansfield nas malas, dedicou-se a escrever e a traduzir. Seus primeiros livros foram lançados em edições independentes, e Ana consolidou-se como um dos principais nomes da Geração Mimeógrafo da década de 1970. Ainda hoje tem o seu nome muitas vezes vinculado ao movimento de Poesia Marginal.
Em suas criações, ela transitava entre o ficcional e o autobiográfico, e criou um estilo verborrágico, refinado e feminista no sentido de tratar temas deste universo, como o amor e o sexo, do ponto de vista das mulheres, sem qualquer auto-censura. Mas Ana também falava da solidão, do medo, e do que há de mais profundo no coração humano.
Por estes motivos, é referência principal de todos, ou pelo menos da maioria, dos que escrevem poesia no Brasil atualmente – principalmente as mulheres.
Ana cometeu suicídio aos trinta e um anos, em 1983, atirando-se pela janela do apartamento dos pais, no sétimo andar de um edifício da rua Toneleros, em Copacabana. Armando Freitas Filho foi o seu melhor amigo, para quem ela deixou a responsabilidade de cuidar postumamente das suas publicações. O acervo pessoal da autora está sob tutela do Instituto Moreira Salles. A família fez a doação mediante a promessa de os escritos ficarem no Rio de Janeiro.
Ana é a homenageada da Festa Literária de Paraty, a Flip, deste ano. Como a festa começa amanhã, postamos hoje alguns poemas de sua autoria em sua homenagem.

A foto que ilustra esta postagem foi feita por João Almino em um ensaio com a poeta realizado em Paris, em abril de 1980.





faz três semanas
espero
depois da novela
sem falta
um telefonema
de algum ponto
perdido
do país


#


fisionomia

não é mentira
é outra
a dor que dói
em mim
é um projeto
de passeio
em círculo
um malogro
do objeto
em foco
a intensidade
de luz
de tarde
no jardim
é outra
outra a dor que dói


#


Eu penso
a face fraca do poema/ a metade na página
partida
Mas calo a face dura
flor apagada no sonho
Eu penso
a dor visível do poema/ a luz prévia
dividida
Mas calo a superfície negra
pânico iminente do nada


#


poesia de 1º de outubro

Meu coração está batendo pelo teu...
Odeio este jornal que me separa de ti
Me separa de ti...
Me separa...

Gosto da minha mão quando há um elástico no punho.
Ou mesmo um barbante branco,
Esfiapado,
Desses que os padeiros usam para embrulhar
O pão.
Então os meus dedos ficam longos e repousados
E parecem não dizer nada
Rindo-me de dentro de um silêncio que me apraz.

Baixa teu jornal, homem!

outubro/67


#


este livro

Meu filho. Não é automatismo. Juro. É jazz do coração. É
prosa que dá prêmio. Um tea for two total, tilintar de verdade
que você seduz, charmeur volante, pela pista, a toda. Enfie a
carapuça.
E cante.
Puro açúcar branco e blue.


#


o homem público nº 1 (antologia)

Tarde aprendi
bom mesmo
é dar a alma como lavada.
Não há razão
para conservar
este fiapo de noite velha.
Que significa isso?
Há uma fita
que vai sendo cortada
deixando uma sombra
no papel.
Discursos detonam.
Não sou eu que estou ali
de roupa escura
sorrindo ou fingindo
ouvir.
No entanto
também escrevi coisas assim,
para pessoas que nem sei mais
quem são,
de uma doçura
venenosa
de tão funda.


#


Estou vivendo de hora em hora, com muito temor.
Um dia me safarei – aos poucos me safarei, começarei um safári.

1.8.83


#


samba-canção

Tantos poemas que perdi.
Tantos que ouvi, de graça,
pelo telefone – taí,
eu fiz tudo pra você gostar,
fui mulher vulgar,
meia-bruxa, meia-fera,
risinho modernista
arranhando na garganta,
malandra, bicha,
bem viada, vândala,
talvez maquiavélica,
e um dia emburrei-me,
vali-me de mesuras
(era uma estratégia),
fiz comércio, avara,
embora um pouco burra,
porque inteligente me punha
logo rubra, ou ao contrário, cara
pálida que desconhece
o próprio cor-de-rosa,
e tantas fiz, talvez
querendo a glória, a outra
cena à luz de spots,
talvez apenas teu carinho,

mas tantas, tantas fiz...




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