terça-feira, 29 de maio de 2018

Horácio Pontes


Horácio Pontes é poeta e nasceu no Rio de Janeiro em 1982 e atualmente vive em São Paulo. Publicou os livros Elegia para agosto (2011), O Girassol Mecânico (2015), Poemas sem nome (2016), Atonais do silêncio (2017) e Nihil Obstat (2017).
Reúne sua obra no blog https://atonaldosilencio.wordpress.com/





POEMA PARA LEUCONOE


Leuconoe veio colher o tempo
o tempo que vaga pela casa
seu silêncio de ler a carta
e cerrar a outra mão de forma
inconsciente

sussurra a falta de tempo
a luz fraca que representa
o fim
a queda infinita entre
dois abismos
entre sentimentos
e tentamos nessa queda
encarar deus de igual para igual
mas sabemos ser isso impossível

e me vejo dentro de ti
Leuconoe
corroendo o tempo
dilacerando os segundos
que demoram anos
buscando deus
me vendo dentro dele
esperando a hora de acordar

mas seu canto silencioso
é o tempo que me estende
até o exato instante em que
a vida chega
e a vida chega ou pode
chegar depois de anos
porque estar vivo não
é estar vivo
é apenas estar inerte
no indolor silêncio
do milagre




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DESAPARECIMENTO


eu sou nada
e ao fechar os olhos
a gente vê as armas
apontadas para nossa cabeça
as manhãs
sim
todas as manhãs
com a beleza do impossível
movendo-se em sentido oposto
a marca na pele que fica
e que vira nosso anti-sonho
a luz que cavalga no vento
até aquilo que nunca seremos

sim
eu sou nada

evocaremos o espetáculo
que é a tragédia
e contaremos isso
para os amigos
para as amigas
importando-se apenas conosco
sem precipitar a vontade
de aprender a história alheia
a marca deixada na pele do outro
seu anti-sonho
sua não-vida
o poder não nomeado de ser apenas
o que você pensa e não dar a si
a chance da beleza
da manhã
ao seu misticismo de que amanhã
será um dia melhor
graças ao senhor deus
que não responde o silêncio
sua ossada para o despertar

“basta você ter fé”
é o que te dirão
e depois começarão a cantar
a beleza dos assassinatos diários
das vidas e das mortes em vida
das vidas em morte e tanto faz
e pensaremos que está tudo bem
e virá a gargalhada ou a história de final
feliz na televisão
na tela do celular
no reality show

e a cada manhã virá um
novo desaparecimento
nossa eternidade que se espreguiça
dentro da matéria congelada
a harmonia anulada pelo
próprio homem




#




GIRASSÓIS


cuspo a minha tristeza
nos teus sonhos
pois deves saber
que o amor não sobrevive
para sempre
o amor simplesmente
rasteja e fica doente
levando embora
todos aqueles momentos
em nossos dias
que ousamos
dar um sorriso

você ainda amanhece em mim

quarta-feira, 9 de maio de 2018

Raquel Gaio


Raquel Gaio nasceu e reside no Rio de Janeiro. 
Possui dois pássaros presos no centro do seu diafragma. Eles mastigam um novelo vermelho que nunca acaba.
Visite sua página.



Abaixo seguem quatro poemas inéditos de seu livro Das chagas que você não consegue deter ou a manada de rinocerontes que te atravessam pela manhã, publicado pela editora Patuá a ser lançado neste mês de maio, no dia 15, em São Paulo, e no dia 02 de junho, no Rio de Janeiro.


Serviço do lançamento em São Paulo:
O lançamento será realizado no dia 15 de maio (terça-feira) a partir das 19h no Patuscada - Livraria, Bar e Café, no endereço Rua Luís Murat, 40 - Vila Madalena - São Paulo – SP.
A entrada para o evento é gratuita e o exemplar estará à venda por R$ 38,00 (pagamentos em dinheiro e cartões de débito e crédito). 
Clique AQUI para visualizar o evento.







ele, o rinoceronte, guarda no ventre
todas as promessas não cumpridas
ele tem o bucho róseo, cheio de começos

viajo sempre de teu pau ao meu abandono
estou coberta de não direções
tentei avisar do grande exílio que estava por vir,
mas já nascias com queimaduras nos braços

estou acumulada no tempo
espreito sempre o demônio das coisas

tenho sete costelas viradas para o inferno

quando amanheces verdadeiramente de ti?
onde estão guardados os dentes quebrados da infância?

me trafico nas praias escuras
e não partilho das esperanças dos enfermos

-tenho o bucho pálido como de um operador de máquina-

como é não ter um membro?
o que poderia ter sido e ficou prensado
como desejo contido, parto para sempre adiado
uma rodovia pairando sobre nossas cabeças.




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deveria haver um gelo no meu quadril
que me ferisse, me assombrasse, como uma precisa incisão
e que deixasse apenas meu ventre maduro
menos estúpido, menos pântano

meu quadril é uma f(r)icção
me faz menos osso e menos noite a cada dia

da minha janela
vejo planaltos suando de saudade

tenho entre as mãos
a querência de mil bacantes e o grito surdo de um deus

sei de cordeiros que nunca se satisfazem

um som grave perfura o lirismo da minha bacia
e me abismo

o que sei
é através dos vácuos que ficam nas minhas cavidades.




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as paredes do quarto são feitas de minhas mortes
estão lá cimentadas as meninas que de mim saíram
de bocas abertas e gestos que invocam perdas
com fetos cravados em suas mãos

toco em minhas extinções como se fosse a única possibilidade de existência
me afundo num terreno onde ninguém mais soma os fracassos.




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para meus companheiros da residência Nuvem (RJ)
Jefferson Skorupski, Matheus de Simone,
 Pablo Costa, Júlia Milward e Thâmara Cunha,
janeiro 2016.


porque há raízes que nos afogam
somos os animais que extinguimos durante os séculos
estou enterrada como uma pedra que ninguém vê
as roupas estão sujas
e eu já me esqueci dos hábitos cotidianos
porém, não escapo de mim mesma
por entre os galhos
já não sou mais que uma mancha
áspera e exausta

-cavamos pela nossa imortalidade durante toda a manhã-

possuo a feição da demolição por todo o corpo
sou um parapeito de poço

a boca, uma gruta vazia e úmida
o sexo, cidades dissolvidas e escuras
toda uma ausência nos veste

somos como um deus
perdido e sem socorro
na demolição de todos os homens.