terça-feira, 12 de julho de 2016

Pedro Rocha

Pedro Rocha é um poeta nascido no Rio de Janeiro em 1976 e vem de uma trajetória de mais de duas décadas de fazer poético.
É idealizador do FalaPalavra, grupo performático dos anos 2000 que juntou os poetas Guilherme Zarvos, Ericson Pires, Michel Melamed, Viviane Mosé, Chacal, Eber Inácio, e Guilherme Levi.
Participa de diversos eventos literários e tem textos publicados em revistas como O Carioca, Et. Cétera, Cepensamento, Cep 20 Mil Calendário, entre outras.
Publicou os livros Escrita de Galo (Coleção Séc. XXI, 2002), Onze (Rio de Janeiro: Azougue Editorial, 2002), Chão Inquieto (Rio de Janeiro: Editora 7Letras , 2010), Experiência do Calor (Rio de Janeiro: Dantes Editorial - selo Lábia Gentil, 2014) e Ogivas de Urgência (Rio de Janeiro: Editora 7Letras – selo Megamíni, 2015).
Integra o coletivo Trëma.




Cepensamento

sem mais                                

o Rio é uma bosta

sem nada a cidade
abandonada na bandalha
cocaína exportada dentro da carne
daquele restaurante caro da Lagoa
e o outro de Ipanema
essa ignorância com medo
da farofa do    Bem-Te-Vi
ou da furunfa que matou ele

essa ignorância certeira
de que o terror é o terceiro
            ou o vermelho
            ou a rosa
            o césar ou a corja

o corvo voa oculto
na glorinha da geral

mesmo no esmagado
ralha gralha na malha da era marte
na cona da guerrilha
a vida é magra

a vida é magra
como uma garça
uma mergulhada no asfalto
esburacado às margens do
                 Rio da Prata

não aquele Rio da Prata
braço navegável
ou perna de fêmea ainda
de tango e de candombe
pela poesia que se
enxuga nele

não aquele Rio da Prata
limite político acidente
acerto da natureza
talho alagado resolvendo
o fim do Uruguai e
início da Argentina

não aquele imenso dorso
fluvial atravessado por Gardel
e que em suas praias hoje
se lançam homens desempregados
vasculhando a esperança
e a areia com detectores de metal
e que é também Rio bosta
dentro da miséria global

mas outro Rio da Prata
mais bosta ainda
mas uma garça mergulhada
no asfalto esburacado desse outro Rio da Prata
uma garça achada na cabeça
por pedrada

que fez seu vôo tonto
 tocaiado
    caído

estabacar-se à margem desse Rio da Prata
um Rio morto da febre do Viegas
da ferida aberta do Jardim Violeta
do zunido rente na favela do Sossego
ponto final do 393
em Bangu zona oeste do

Rio de Janeiro

essa cidade que a cada dia se quer menos
como uma pedrada covarde
em vôo de ave

e que caída
atrás do meu carro

(no momento em que parava
pra  comprar água
à margem do Rio da Prata)

ela trôpega
troncha
morria não fosse meu socorro

Só segurei
em minhas mãos

suja fedida branca antes
quando nasceu provável
mas que agora cinza
de tanto comer esgoto
de tanto comer lama lixo e mijo

                        só segurei


os meninos me olhavam
malignando se eu pousava ela

a pássara frágil
    golfava ar

e ia me entendendo
em nosso movimento bicho
recuperava sua via de asa

as penas da cabeça
esgarçadas de sangue de garça
cobrava sua força

            porque “tudo que vive
                           não desiste de viver”

e desvoou à outra margem

o povo de lá me olhava
sem vacina no ciúme
ninguém nunca fez centelha por eles

o que é uma garça?

um tolo treco sujo
um tijolo quebrado na calha
uma galinha sem carne
e que vai pelo ar
e caga

é nada

bom pra pedrada
mais vale o tiro
mordendo o alvo

mas algo mudou em seu nome
olhos dos meninos desvelaram
e um cachorro coxo ficou sem chute
e um cavalo bagre
bebeu água perto dum sujeito

que a vida encontra um jeito
e estoura Deus

então Poeta

quando for construir um pensamento

quando te derem 6 ou oito páginas
num periódico comemorativo
documento de um evento importantíssimo
fundamental pioneiro
talvez último refúgio de primícias humanas
mas que não é ninguém
é a garça driblando pedra
dentro dessas cidades de bosta

saiba porquê escrever algo
tenta tua miúça pessoal de lado
toca teu corpo coletivo
lembra de quando você andava de ônibus
pensa na Garça de Bangu do Rio da Prata
tenta o drible que ela não deu
ali no ponto final do 393 e do nove dezoito

esquece o tijolo bala
tenta um tijolo inteiro
em cima de outro
em cima de outro
                         e outro outro

cuida da minha casa
que ela não é só sua

e mais escritor
o seu estilingue instituição flui
frui egoísta

chega de saudade
chega de soldado

produz pensamento avante

voa Pato


#


Espasmo diante do espanto


o clarão que essa pessoa produz
a bomba que porta essa voz
o vazio
que invade por essa porta que se
          abre
o furo que faz esse rugido
o vento que vem desse peito
       e  que me arranca roupa

o chão que me despenca dos pés
a vertigem nesse barulho
                                   
                                    esse grito
                                    esse golpe
                                            coice
                                               soco
                                       
                                         esse oco
se expandindo dentro de alguma coisa
que também sou eu

esse Deus desvelado
posto de repente 
na sala

esse raio que o céu me acerta
essa reta no meu meio
ronco rasgando a terra

força que fulmina
esse jorro que irrompe no tempo 
sacudindo a realidade

essa possibilidade que mostra
um poder descabido à humanidade
através de um simples corpo
porto e plataforma de revolução

existe dentro dessa pessoa

que ferramenta é essa
que fermenta o invisível?

que nome tem essa usina
que transforma ar em fuzil?


que caminho o espaço percorre
nesse prisma de gente
                     que muta
                           muda
                           tudo o que está presente?

o latente nessa garganta é luta

                          
                                          ou não, ainda      


palavra nenhuma
        se aplica ou explica
                                 esse evento

só sopro
         bruto
           som
                            violento       
                        combustão
                   descabimento

quando range
essa árvore
que age
da cripta à copa

diante
de dentro
e de trás
de Amora

o que há
nessa hora
é a evidência
de que qualquer indivíduo
é capaz de transformar
o singular em coletivo


#


Poema para um Poema
(para Danilo Monteiro)

Certos trabalhos exigem desembaraço.

E um poema
certeiro assim como esse
deixa uma mancha
na imaginação.

Essa mancha
é uma janela
encharcada de imagens grávidas,
é uma plataforma de lançamento lúdico,
palco de circunstâncias exageradamente felizes.

Quando o mar
já era mar
a terra não passava de uma rocha      nua

ela não pôde paralisar-se com o encantamento disso

e o poeta desfez um enigma
construindo um mirante
diante de um nó,
e o mais importante
é que a resolução de um problema nele,
nos leve tão adiante.


#


CEP 90

Quando eu tinha dezesseis
e vendia salada de fruta no posto 9
dentro de uma metade de abacaxi,

o Guilherme Zarvos
me fez um desafio:

-                         - tá vendo esse laranja
               esse vermelho, rosa, amarelo,
         verde que rega a areia
         que entorpece o mar
         que vai pra todo lugar
         que tinge a sua barriga?

                   Você tem que saber porque isso acontece.

E o Serginho que comia essa areia
e o Fabiano e o Paulista
e o Guiga e o Leo e a Carol Parrot
e a Carol Moura e o Michel e a Tracy
e a Leca o Tamur o Alexandre Monstro
o Momo o Mike o Montanha o Dado o Cabelo
o Beto e mesmo o Ericson que não estava,

estavam todos
conduzindo
aquelas cores

com seus rostos de medalha 
e seus braços estirados
dentro da luz salgada

e ainda assim não era suficiente
a metáfora.

Guilherme dançava
e era como se criasse
ali uma tecnologia
que assimilasse
essa intensidade.

-                        - Eu te dei uma folha inédita
        Agora fudeu, não era pra isso,

        Vamos pro baixo gávea!

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