quinta-feira, 30 de novembro de 2017

Poema inédito de Flávio Morgado



A exu
         - pai de Anúbis, avô de Mercúrio


Amostra primeira do arquétipo
mensagem
Deus-fronteira
Diálogo e par
Carne viva do natimorto
Conjunção de abismos
Tributo do apelo
Encontro e encruzilhada:
Qualquer palavra.

quarta-feira, 22 de novembro de 2017

Marize Castro

Marize Castro é uma poeta e jornalista nascida em Natal, Rio Grande do Norte, em 1962. Publicou os livros Esperando ouro (2005), Poço, festim, mosaico (1996), Rito (1993) e Marrons crepons marfins (1984).
Publicou em revistas brasileiras e internacionais.
Abaixo, uma amostra de sua produção.



Assombro

Corais paralisam suas presas.
Observo neste aquário tubarões de terrível beleza.

Quem me lançou dardo, deitou-se comigo.
Quem me amordaçou, gozou em silêncio.

Tenho na bolsa um coração assombrado.
Mas tão inocente e jovem que dá medo.
E me sustenta.




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Nova ordem

Um silencioso menino senta ao meu lado.
Ele é tão leve que me faz procurar asas
no seu pequeno corpo.

Deve voar, penso eu.

Liberta-me o que ele me diz:
Sou o seu último amor. Sua nova ordem.

Amparo-me na lua que se mostra vermelha
– destinada ao extravio.

Agora sou mulher-folha, mulher-livro, mulher-esquife.
Tornei-me fiel ao canto do deserto.




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Suspensa

Oráculos me suspendem.
Ouço o Amor chamando.
Em cada país um diferente unguento
para suportar a viagem.
O desejo é a curva.
O grande véu com o qual me cubro
– e prossigo.

Se você não voltar
os bailarinos ficarão órfãos.
Se você não voltar
a vertigem será silenciosa.
E não será o fim.
Será o início do grande segredo.




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Solar

Cadáveres despertam depois do amor.
Lágrimas choram e se estrangulam.

Não sou a mulher que você vê.

Não sei o que é o inverno
 – nunca vi a neve.

O meu ofício é reinventar asas para o sol.




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De veludo e sangue

Porque declino do seu amor, o véu das torres me invade.
Já engoli espermas. Já voei muito alto.
Aos santuários de meninos-lodos e meninas-ostras.

Neste hemisfério, o tempo é vermelho.
A fé: andrógina. A inocência: anônima.
O amante: cego e corcunda.

O meu leite rega a flor que o inimigo trouxe.

Aqui não há solidão
há bosques de lágrimas
unicórnios reunidos para falar de amor
aranhas flutuando num mar

de veludo e sangue.

sexta-feira, 3 de novembro de 2017

Luís Perdiz

Luís Perdiz é um poeta, compositor e editor nascido em Campinas, SP.
Autor do livro Saudade mestiça (Editora Patuá, 2016), ele edita o portal de literatura Poesia Primata, voltado para a degustação e difusão da poesia brasileira contemporânea.
Faz parte do projeto musical autoral Estranhos no Ninho e publica regularmente em revistas de literatura e antologias, obtendo menção honrosa na 23ª edição do Programa Nascente USP.
Vive atualmente em São Paulo e pode-se encontrar mais informações sobre ele em seu site pessoal.




Templo


nunca intacto
repouso nesta superfície de cascalhos
sonhos aprendidos ao hálito da terra

lágrima primata incrustada na labareda
planície viva do princípio
tarde marmórea por onde encontro
suas coxas quentes
secretamente solares




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Córregos


bota imersa na
flora do destino
brilho transatlântico
fincado em alma

auroras e cachos
moto infinita na neblina

dilúvio de nuances
improvisando verões

o jazz campestre na barraca da noite
desfigurava também o interior de nossos pulsos




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Você me enche de areia


gargalhada nua e seca
me atrevo na pulsação réptil
e a imobilidade da árvore fascina a fome inexata

dois meses desfizeram meu herói amador agora vivo em conchas
pirâmides se entulham em meus pulmões
            sou um golpe cinza numa guerra sem mira entre vespas                                                                         
as lunetas estão sangrando juros
um atlas só de rostos me envolve feito âncora
sabor cru e indomável de vida afunda vida afunda vida afoga
     olho já sem filme
     osso já sem firme
retorcidas possibilidades evaporadas num aquário
            blues suspenso da extinção
     estiagem a dois resgatada em sua sede
     cessem os monstros assassinos páginas de números   
     hospícios hospitaleiros balas anestésicos        
                                                                                                                                                                quero a euforia turva dos contrastes deslumbrantes
as ostensivas horas da tempestade feito whisky
numa sacada de primavera tingida em chagas




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Playground


o que mais me relevava naquele
playground vazio
era o silêncio
igual ao meu

infância fantasia atravessada
merthiolates colos contrastes
amigos imaginários
todos eles filhos únicos

ensimesmado
pressentia sons de macondo

outras partes longas
indefinidas
longe do baile de minotauros




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Estadia



sempre na sua casa
os vitrais se entrelaçam
as teias desnudam o tempo

as peles se dissolvem
meu alicerce mais valente
assiste o horário