sábado, 9 de julho de 2016

Carla Diacov

Carla Diacov é uma poeta brasileira nascida em 1975 em São Bernardo do Campo, São Paulo. Com formação em teatro (de 1995 até 2005), pôs-se a escrever e des­de então é só o que faz.
Vez ou outra se atraca com alguma pintura ou desenho.
Tem poemas publicados na revista Coyote (editada pela Kan com distribuição pela Iluminuras/Brasil) e em vários sites na internet.
Afora seus tantos blogues, como o NICHOS, tumblrs e plataformas digitais em geral, é uma devotada integrante do site Escritoras Suicidas e tem um bom apanhado de participações nas revistas Germina Literatura, Mallarmargens, Usina e na Revista Ellenismos, onde, através do selo “Ellenismos Livros”, tem publicado o e-book Fazer a loca.
Também publicou no Jornal RelevO, nas revistas Modo De Usar &Co., Diversos Afins, Cruviana (em sua terceira edição), Zunái, Limbo, Musa Rara e no site Cronópios.
Recentemente agregou poemas inéditos à Vida Secreta #2 e às publicações portuguesas Enfermaria 6, Flanzine (#8 e #11 - impressa) e à brasileira O Garibaldi (online e impressa).
Integra as coletâneas 70 Poemas para Adorno (fruto do Festival Literário da Madei­ra, 2015),  Antologia Poética 29 de Abril - O Verso da Violência (São Paulo: Editora Patuá, 2015) e a ESCRIPTONITA: mitologia-remix & super-heróis de gibi (São Paulo: Editora Patuá, 2016).



Pela editora portuguesa Douda Correria, lançou Amanhã alguém morre no samba, sua estreia universal em livro solo (2015). Em 2016, pela mesma editora, lança Ninguém vai poder dizer que eu não disse, e pela Edições Macondo, A metáfora mais gentil do mundo gentil.








x
a sobrevivente toca fazer chá
da erva qualquer
qualquer erva é doce santa ácida daninha
a sobrevivente sabe o chá
pela goela até os pés
passando pela benfeitoria
qualquer benfeitoria é
toca pela mazela 
um encanto qualquer
desentope a biografia com o rabo do gato morto
então vejamos também os benefícios do escalda-pés

a sobrevivente toca fazer chá
como toca desafiar o ponto de fervura da água benta
qualquer água é



#



:
é um milagre o pescoço estar onde está
ascendido num ponto da brancura do atlas
jogado na cabeceira da carcaça
flutuando na praça com a boca cheia
de pipoca e argumentos herbicidas
repartido atrás do poste
no colo da senhora Y
angustiado e problemático
queria tanto ser catalogador de gravetos em L
delator de goteiras retas
contador de monstruosas infâncias
pescoço puro ou só
daí que é um milagre estar onde está
ascendido na escuridão
entre o livro e o torso da vítima número 139
na rua F
pescoço da cidade pescoço
do estado



#



x
o sobrevivente ou a morte
a morte
desde antes da
escrita sobrevida
então em qual direção escrever?
para antes do gênero e das bússolas
para ninguém
e também para morrer sem tempo
em tempo
e não morria nunca
morreria
sangrava
mas nunca
nascer era da dádiva mal cabida
para quem a leitura
para que o encontro
mas não morria dialogava e não morria nunca
mas nunca morreria
mas eu estava falando de amor e me aconteceram dessas coisas
com as mãos fechadas
me aconteceram com violência
me vi bruta perdida
para antes do gênero e das bússolas
eu que estava falando de amor
não sobreviveria nunca



#



:
as xícaras postas
e há outras bocas outras línguas outros dentes cariados
outros buracos dificultados
dentistas mais chistosos
dentaduras de pérolas
jaquetas de couro de bolsa de madama
pontes levadiças com engrenagens rockabilly
na bestialidade rebelada do chá
o antigo gosto pela sacanagem infantil
arrancar a casca da ferida
por debaixo da assombração
outras culturas de chá
a composição perfeita da porcelana
digo
os ossos que fazem a cama
sob os lençóis de ontem
xícaras bonecas volição
um torrão meu três nossos
meu pente cariado de nylon
tudo de açúcar gordo
o rosto da boneca cariada de beijos
o jogo de chá parece o jogo
os ossos que fazem o jardim
impossível curar uma boneca zarolha dos brancos

alice nunca teve pescoço
morreu comendo um bule de marzipã

colherada de silêncio:

esse charuto não é inédito
passthefuckingashtraytea set, doll



#



x
temos uns sobreviventes
uns afetados de sol
uns afetados de vida ainda
uns afetados de mais
uns afetados e uns contorcionistas
enfim temos sobreviventes
sujeitos ao suor que é digno da sobrevivência
temos dignos também
uns afetados de casacos da pele de orlando
a janela imortal
a cancela imoral
uns afetados de manteiga de cacau
uns afetados de céu e de agulhas
entre uma orelha e outra agulhas magnéticas
guelras amanteigadas e agulhas
uns afetados de glândulas
glândulas inflacionadas em credos
mas temos sobreviventes
uns afetados de formol
temos uns sobreviventes ainda que não
mas temos o afeto e temos o formol
homem
temos o afeto e temos o formol

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