Deixar
passar as perdas, esquecer amores e paixões interrompidas ou mal resolvidas é
sempre um grande problema. Pois esquecer demanda perdão e aceitação,
ferramentas essas que nem todos utilizam com habilidade.
Por
isso as viagens, que suprem os espaços e criam novas saudades, perfumando a
memória com rosas de um passado distante que não precisa voltar.
Por
isso as palavras e a poesia, que impulsionam, no papel, a resolução do que se
inicia na viagem.
Foi
esta a força motriz por trás do poema “Fui a Lisboa esquecer um amor”, de João G. Junior, publicado em fevereiro
de 2016 em uma plaquete homônima pela Edições Macondo em Juiz de Fora, MG.
Inspirado
na poesia de João, o poeta português Pedro Craveiro escreveu o poema “Fui a Bruges esquecer um amor”, em resposta ao
carioca e dedicando-o seu texto.
Publicado ano passado de maneira inédita
e exclusiva em nossa revista, a Avenida Sul, o poema de Pedro foi finalista e
ganhou recentemente o prêmio luso-galego aRitmar Galiza
e Portugal, dedicado aos que se destacaram na música e na poesia
galega e portuguesa em 2016 e organizado pela Escola
Oficial de Idiomas de Santiago de Compostela e à Xunta de Galicia.
Hoje postamos
novamente o texto de Pedro, e apresentamos o poema de João Gomes no qual ele se inspirou, ainda inédito na rede.
Agradecemos ao prêmio europeu, por ser muito satisfatório para nós e nos
enche de orgulho saber que um poeta, ao ser publicado em nossa revista, foi
indicado e ganhou um belo prêmio, demonstrando que nosso trabalho tem sido bem
feito.
E
obrigado pela parceria e pela confiança, Pedro. Parabéns pela premiação!
Fui
a Bruges esquecer um amor, de Pedro Craveiro
– em resposta ao poema “fui a Lisboa esquecer um amor” –
para o João G. Junior
tu não estás aqui
e tenho beijado todas as garrafas
num bar escondido de Bruges
sem querer dou por mim
a perder terreno na tua vida
eu que sempre te esperei às 17
na janela desalumiada do metro
entre olaias e chelas
tu não estás aqui
e é tão bom assim: despertar incerto
partir a língua em dois como um hiato
granjear o sol dalgum hemisfério
reaver-me dos engenhos necessários
e supor que tudo se resume, caro watson,
a morte & amor
tu não estás aqui
em tanto sítio em tanto corpo assediado
no dia em que Freddie morreu.
se em muito te reconhecia,
em
pouco te relembro agora
#
Fui a Lisboa esquecer um amor,
de João G. Junior
nem
sempre o salto é o melhor caminho
mas todo início requer um primeiro passo
assim
como todo recomeço exige nova maquiagem
a dor é
ANTIGA
não
te apaixones vovó
dizia só que não se deve falar em paixão
com
cancerianos que sonham
banheiras-para-dois em luas de mel
ou
afagos em praças de algum país europeu extremamente frio onde as
palavras são ditas de trás
para frente como no japão
sem
amor só me restarão os michês
tipo
um barthes latino-americano pelas ruas de lisboa
e
as unhas (é claro) são ruídas até o sabugo sempre sangram & nunca
funcionam contra o desejo de fumar
faria
sentido caso estivesse acordando dia seguinte na tua cama o fim do dia viria com o hálito dos
beijos compartilhados
audrey
adora lisboa e fala
coisas como histórias de amor
que
têm sempre
(QUASE SEMPRE) o arrependimento do olhar
as
crianças não conhecem medo
correndo
na rua ainda estão vulneráveis
à 1ª paixão
não
adiantam o fim do dia
chega
a ser fácil esquecer de cantar
você cantava lindo quando escurecia
e
o chão da cozinha hoje conforta como café ou colo de mãe sabe como é
clarice
coleciona retratos de casais recortados de revistas
ela mora longe
e prefiro encontrá-la por outros meios que pessoalmente
todo
encontro a mesma ladainha clarice
derrete em lágrimas que nem a bruxa de oz
e
reclama ter sido abandonada
coitada ainda não descobriu o prazer de
entupir vasos sanitários
com meias velhas para chamar
atenção
ou ter alguém em casa
é
isso – todo recomeço
exige a new make-up
eu
quando lembro que acabou revivo todos os ex-amores
todos
aqueles tirados de mim ou
tirados por mim o traidor
- fora de -
me
pergunto se o corte não
encontra remédios em viagens
talvez em lisboa
eu não dançasse assim
nem
sempre o meu passado traz sorrisos
mas nunca esquecerei os modos daquela namorada que não gostava de lisboa
e achava ter qualidades para me fazer esquecer meu primeiro amor com diminutivos sapateava na rua
como estivesse num grande
salão e os postes fossem refletores
só não consegui
acompanhá-la nas bebedeiras de virar noite
então houve uma vez
amei mais que a mim
houve outra vez
amei mais que a mim
e quase toda semana
ainda
amo mais que a mim
como
outro dia lembrei que tive um namorado que me esqueceu em nosso aniversário ele
era doce como açúcar, dentuço como eu e me presenteava sempre com hambúrgueres
mcdonalds mas arrependimento
não mata e ele não merece ser lembrado
escrever
poemas às segundas-feiras não é o mesmo que escrever poemas aos domingos
e
o que é poesia?
e
o que não é?
eu
queria saber registrar tudo o que vejo como fazem os grandes poetas em seus
versos curtos até
hoje só aprendi que os poemas de domingo são feito matéria branca que não se
encontra noutro lugar não são belos
como os poemas de quinta-feira não falam de amor mas trazem o silêncio dos dias
mornos
que não se repetem nem se
acabam
e a lei ainda está em vigor
NÃO
HAVERÁ FIM enquanto o túnel ainda estiver iluminado por dentro
todo
mundo passou por isso ou PASSARÁ
é mentira que aos poucos o rosto inchado esquece as lágrimas
também
já tive um namorado menor que eu que gostava de bala para beijar e recusava
yakissoba por educação
(ele também não gostava de lisboa)
e
quando estava com ele eu esquecia o mundo o coração parava os dentes secos na
boca e tinha vergonha de meus gases e meus pés e das manchas da
catapora
recém-curada mas
eu o traí com oito pessoas
- fora de -
ex não acaba:
vira poesia ou motivo para viagem
então
começou a fumar porque o outro fumava e agora sozinho enquanto arruma as
malas põe fogo na mesa
da sala graças a um cigarro
esquecido
os
dias andam muito sem graça
muito sem graça
muito
sem graça muito sem graça muito sem
graça muito sem graça
mamãe
sabia uma piada de amor que nunca contava e de tanto não contar
já
nem lembra mais hoje
minha piada é fumar por
não saber a piada
(ERA ASSIM A HISTÓRIA:
ele tinha 13 anos,
comprava picolé depois da escola
e gostava de esperar
passar o garoto de longos cabelos negros
com ares de estar
sonhando sonho bom
quando chorava os
amigos vinham y chorava ainda mais
por estar embaçando os
óculos
certa vez escreveu uma
canção de amor
ficou horrível
amassou o papel e jogou
no lixo
o
anel era de vidro
amou
demais e se quebrou)
e
agora joão meireles
por que usas meireles se teu nome não tem meireles?
não
invejes os quinze poemas de qualidade que tua ex fez num único final de semana
o
melhor é juntar toda grana possível e fugir para lisboa
conhecer
novas camas e esquecer as que ainda
te
esquentam
o peito
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