terça-feira, 16 de maio de 2017

Leonam Cunha

Leonam Cunha é um poeta nascido em Areia Branca-RN, em 1995.
Mora atualmente em Natal e é graduado em Direito pela UFRN.
Publicou em 2012 o seu primeiro livro de poesia, Gênese.
Em 2014, publicou o Dissonante, e em 2016 o Condutor de tempestades; todos os três foram editados pela Sarau das Letras.
Abaixo, alguns de poemas de sua produção.




Areia


A primeira vez que nasci
foi sobre uma planície de areia.
Os grãos açoitaram-me os olhos
e entulharam minha boca
de palavras ásperas.
Minha mãe, para me dar à luz,
precisou atravessar o rio
mas o rio estava seco.
Então ocorreu de meter
o pé na lama, como eu faço
no meu passo tremido de samba.
Meu pai largou de vender leite,
derrubou a brancura
sobre o solo de minha mãe.
A segunda vez que nasci
foi sobre uma planície de areia.
Mas a maré estava alta.
Não careci ensinamento
para simular as tartarugas
que deslizam até beira dágua.
Apenas fui. Não atinava que no mar
teria nascido melhor.
A terceira vez que quis nascer
foi no colinho de Odoyá.




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Universo


Brincam de pedreiro
os meninos
- responsáveis
pela escultura do universo.
Às suas costas,
um varal de tecidos brancos
enrijecidos bantos
tremula dentro
da brisa matinal.
Imitam asas esses lençóis
e têm cheiro de cuidado

Os negros na Bahia são.
Os negros sobretudo na Bahia
têm nos gestos
uma delicadeza de batalha.
Os negros na Bahia são
e sabem: negros

A senhora trajada
de passado esquece
a realidade das pedras.
Aquela senhora com
o tempo nos cabelos
repentinamente
começa a dançar em plena rua
escaldante porque sonha:

“Quando me for, vou alegre;
só peço a paizinho Obaluaê
que quando me for, vá alegre”

Com o carro de mão,
o vendedor de leite passeia
bradando suas palavras.
Não se propõe a dizer
mais que o bastante.
A gente quer leite e alegria

Com maior ritmo vibram os lençóis.
A menina toma café
e limpa a boca na barra do porto
com a cabeça no Porto da Barra.
As senhoras desistem da morte
e da vida empedrada
“Quando me for, vou alegre;
só peço a paizinho Obaluaê
que quando me for, vá alegre!”




#




Parasita da resrazão

Deixem-me com o que criei.
A minha vagabundagem
foi forjada a grosso
cuspe.
E a mim pertence

Desamarrem-se
e que a permissão
seja dada para que eu flutue
nas incongruências.
Quem há de exigir postura reta
não sabe que somos feitos
para o envergamento
e o caminho do tombo.
Ser humano reto é abstração

Permitam que eu possa grunhir
sobre avalanches e Oxalá,
sobre corações inquebrantáveis
e a constelação de câncer


Que eu possa me dar
a toda maneira mínima
de não me ser,
para reconhecer o lugar vazio
e preenchê-lo da chuva de mim.

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