quinta-feira, 1 de junho de 2017

Victor H. Azevedo

Victor H. Azevedo é um poeta e ilustrador nascido em Natal, Rio Grande do Norte, em 1995. Publicou 12 canções (2015), Passeio Cadente (2015) e Põe duas horas no super nintendo qu'eu quero esquecer da minha vida (La Bodeguita, 2016).
Publica seus desenhos e poemas no https://vvctrh.tumblr.com/.
Abaixo, três poemas que apresentam um pouco de seu universo.

(Foto de Regina Azevedo)


Estamos viúvos daquelas despedidas
Seculares e inditosas
Onde os braços eram guindastes
E o peito de cada camarada
era uma árvore condenada pela saudade.

Daquela época
Restou somente uma dormência
Engendrada nos coretos enciclopédias
e carros-fortes.

Estamos órfãos, desguarnecidos
porque todos andam a fugir dessa terra
Sem deixar recados na recepção.

Agora nada mais chega a abalar esta floresta
De cabelos crespos e frutas explosivas.
Não se ouvem mais hurras
Ou boiadas passeando pelo café
Ou indecisos tomando o bonde
Antes mesmo dos galos descobrirem-se
Proprietários das auroras ainda criança.

Ao cruzar essas ruas castradas
Vejo gente que aparenta ter acordado
Em uma cama acolchoada de pedras
e arrependimentos.

Mulheres feias 
Carregando no colo sua prole truncada
E de caligrafia tão paralítica.
Homens broncos 
Abarrotados até a borda
De um olhar genocida.
Até mesmo os pardais e os cães
Parecem estar tristes
Com a infestação de gaiolas e canis
Em meios às próteses dentárias.

Não sei se algum perfume, se algum salmo
Iria validar meus pés medianos
Sem que eu mordesse os prédios
Pensando que fossem pão.

E por entre os escombros e o relincho dos ignorantes
Sobra a sombra
Mas não o sopro.
Que varre a poeira do meu tronco
Que lustra os copos transparentes
Mas vazios
Aonde bebíamos néctar às sextas-feiras
E aonde entornávamos o medo
Em dias indefinidos.

Já não se pode mais dizer adeus
Sem que sejamos lúcidos demais
E algo comece a estrangular o destino.

O mesmo destino que antes tinha
Um revólver apontado
Para as nuvens que saiam do rebanho
E que agora anda curvo e descalço
Com unhas quilométricas
Sem saber que rumor usará
Como novo norte.




#




Pomo

tu maldizendo pelos alto-falantes da catedral
que sou um naco precioso do infinito, sem 
reticências na língua, um sonhador obsessivo 
compulsivo que tem a boca com gosto de açaí.

faleço de vergonha quando tu faz isso.

e de nada me adianta minerar com meus dedos 
calejados de tanto estrangular o piano uma 
literatura que sirva de passaporte para o
Kilimanjaro ou a Katmandu, porque esta é a 
quinquagésima nona vez que eu tento 
te escrever algo que não pareça 
escrito em cuneiforme.

adormeço no teu ombro que é igualmente
uma pista de aterrissagem ao entoar do mantra. 
do mantra dos pneus do ônibus em uma estrada 
plácida. do mantra da geladeira às 11h43 quando 
os camundongos ceiam nas esquinas da cozinha.
do mantra do ventilador com a carapaça aberta.

minha mãe pediu para enxugar seus pés de porcelana 
depois que a enchente veio sem precedentes 
esvaziar essa casa de qualquer espécime de estrondo.

e mesmo assim não sou capaz de hastear 
uma bandeira que comova toda uma massa
a contemplar a fumaça nos tênis do maratonista.

voltando dos comerciais te falo de novo da minha mãe 
e que ela queria que eu fosse um beagle 
disso tenho setenta e oito por cento de certeza.

qual o propósito de comer melão 
no intervalo de uma escavação 
se eu não posso construir um forte 
com gravetos e açúcar e agulhas depois.

preciso que alguém leia meu terceiro livro
de poemas que guardo embalado em um atlas 
e esmurre meu peito com o punho benzido 
de cobre e lírios hiperventilados.
é desse tipo de elogio que preciso.

estudei sobre a poesia das formigas de fogo 
quando a primavera ainda era a temporada
de germinação dos santos. aprendi que os homens 
na angola são excelentes manicuros e que o artista 
jubiloso que mora no que foi a segunda capital 
desse país é áspero e lustroso como um de seus cinzeiros.

escrever para os distraídos é tarefa dos vencedores.
está é a quinquagésima nona vez que te assassino 
sem dizer o mínimo de palavras requisitadas.




#




Somos pássaros extintos.
Nosso nome científico não
está nos livros de biologia
muito menos nos calhamaços
que sustentam os sonhos onívoros.
Temos nossas penas tingidas de
dilúvio, fermentadas de arrepio.
E mesmo assim nosso ninho
é rodeado pelo indefinido das
espadas. A saliva das nossas asas
limpam a garganta dos solitários.
As brasas que respingam do
nosso pouso alimentam as
pequenas santidades. Em dias
movediços& adolescentes, ficamos
pelas redondezas, mordiscando
a orelha dos namorados. Bebericando
desse sol sonífero. E não há
jaula de dedos que vá nos capturar
e nos colocar em exposição.

Um comentário:

  1. E o barco segue adiante
    carregado por ventos arredios;
    cada vez mais longe...

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