quarta-feira, 15 de março de 2017

Leonardo Marona

Leonardo Marona é um poeta nascido em Porto Alegre, no Rio Grande do Sul, em 1982. Publicou os livros de poesia Pequenas biografias não-autorizadas (7Letras, 2009), L’amore no (7Letras, 2011), Óleo das horas dormidas (Oficina Raquel, 2014), o livro de contos Conversa com leões (Oito e meio, 2012) e o romance Cossacos gentis (Oito e meio, 2015).
Tem no prelo a novela Dr. Krauss (Oito e meio), e lançará no Rio de Janeiro, na próxima semana, pela editora Garupa, o seu novo livro de poesia, Herói de Atari, do qual selecionamos os quatro poemas inéditos abaixo.



poema aos dentes decaídos de auxilio lacouture

rugas pregam peças nas tuas vontades magnânimas,
estás sempre a caminho de um outro acontecimento,
não paras nunca, não caminhas a pés vistos, há lama
nas calçadas da tua inóspita decisão de se abandonar
a uma tentativa divergente dos hospícios e das curas,
mas és uma pedra no vaso microscópico de um pênis,
és tuas roupas de frio espancadas pelas engrenagens
de limpeza, que estão à disposição das nossas usinas.

tua nova pele expele a água cinza do primeiro rótulo,
tuas coxas sedentárias são pilastras imorais do tempo
em que corrias contra o vento e não pensavas ainda
nos dentes decaídos de auxílio lacouture, pilastras
verdadeiras do que se tomba por tamanha beleza.
agora teus heróis juvenis estão amargos ou mortos,
andas confuso com relação ao pedaço que deixaste
e o pedaço (assustadoramente frio) do que és ainda.

deixaste o que só seria possível se estivesses morto
e te inauguras aos trancos nesta inédita dimensão,
veja bem, ainda não sabes quase nada da primeira,
mas a vida sempre foi o braço ríspido empurrando,
as frases possessas que tornam os humanos frágeis,
a boca que pende diante do que se pendura suicida.
assustado tu escreves à máquina de óculos escuros,
esperando dissipar os vapores da terrível maravilha.



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elegia ao fim do mundo

um jardineiro é sempre
uma motivação.

eu não acharia ridículo
mais armadilhas,
um aspecto importante
que fica de fora.

dentro de todo jardim,
uma motivação,
para não achar ridículo
um jardineiro.

armadilhas são jardins
que motivam
o jardineiro a ficar fora.

revirar a terra
é como revirar os olhos.

verter o sexo
no estupro da papoula,
o áspero que
já não sabe mais chorar.

o sexo revira
a terra do olho áspero
em papoulas
de divertidos aspectos.

motivamos,
estuprados, bílis fiel,
áspero revirar.

que o jardineiro limpe
o ainda motivo.

estupradas armadilhas:
o ainda choro
do jardim motivacional.

os divertidos
revirados fora do sexo,
terra no olho
de papoulas decoradas.



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hiroshima coração

não há maior amor
exceto a guerra.

a vida nas cavernas
é úmida, você está
me matando, você
me faz bem.

 o salitre
todos nós chupamos
diariamente
durante a chuva ácida
no muro.

a loucura
é uma espécie de
inteligência,
algo que só
se pode imaginar
e que de repente
VEMOS
mas quando acaba
não sabemos
mais o que é.

é preciso evitar
pensar sobre as
dificuldades
que o mundo
nos apresenta
algumas vezes.

é preciso às vezes
cair como bomba,
espatifar o corpo
em lados inimigos,
sobrevoar a causa
de tamanho pânico.

somos os amantes
do inimigo da pátria
sem unhas, sem dedos,
três olhos, sem bocas,
cavidades cranianas
expostas ao tiroteio.

nossa história secreta
dirá que não morremos
completamente ainda.

jamais esqueceremos
as cavernas do amor.
jamais esqueceremos
o gosto do impossível.

sinos de sangue badalam
nas migalhas
da nossa deformação.

o amor é inimigo da pátria.
e desde então vivemos
em cavernas.



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poema azul para paul celan

ao romper do osso,
jaz o equilibrista azulado
com a corda na volta do pescoço.

um pente de areia varre
os ossos velhos rompidos,
entre as unhas sobram
filetes de coisas mortas.

nas papoulas do esquecimento
jaz o homem-tocha, azul.
na peruca das horas
nasce o filho sem olhos.

as sobras do passado
carregamos entre as unhas.

nas cutículas do tempo
carregamos o amor, azulado.

se roemos vorazmente,
osso com osso, unha com dente,
é porque o domador
de leões foi engolido vivo.

o passado desgovernou-se
em presente marinho
e no filete do sangue,
no filho sem horas,
na sobra das unhas,
no tempo dos ossos,

trazemos o amor, azulado.

3 comentários:

  1. 'poema azul para paul celan' é uma coisa linda demais!!! <3

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  2. apenas uma informação: elegia ao fim do mundo é mais inédito que os do livro... rs.

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  3. e muitíssimo grato pelo convite, joãozinho querido.

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